A compensação está prevista na lei civil pátria, Artigo 1009 do Código Civil Brasileiro, de 1916, e no Artigo 368 do novo Código Civil, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2003, que conservou idêntica redação, “in verbis” :
Art. 1009 / 368 NCC: “Se as partes forem mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.”
A compensação ipso jure, introduzida no direito romano pela reforma de Justiniano, no sentido de que ela se opera sine facto hominis, por força exclusiva da lei, atravessou inabalável, a escola dos glosadores e se fixou no artigo 1.290 do Cód. Civil francês. No direito brasileiro, da mesma forma, a compensação opera-se por efeito da lei, extinguindo as duas dívidas, ou reduzindo uma delas, independentemente da vontade das partes, mesmo na sua ignorância e a despeito delas.
O legislador falimentar brasileiro, sem sair do sistema nacional, procurou facilitar o advento da compensação, mediante a introdução do artigo 46 na “lei de falências” , decreto – lei 7.661 de 21.06.45,
2 aplicável às liquidações nos termos do artigo 34 da lei 6.024/74.
No mesmo sentido caminhou a legislação quanto ao instituto das concordatas, nos termos do artigo 164 da mesma “ lei de falências”.
Destarte, decisões judiciais estão a determinar a compensação com equidade. Certamente por força da lei, do princípio da economia processual e dos demais princípios gerais de direito, como seguem :
I.
“ Trigésima Segunda Vara Cível da Capital. Autos nº 2.159/98 . 02 – PRODUÇÕES ARTÍTISTICAS E CINEMATROGRÁFICAS LTDA. e PAULO DE TARSO DE CARVALHO MORELLI, qualificados nos autos, ajuizaram a presente ação em face de BANCO BMD S/A BMD LEASING S/A – ARRENDAMENTO MERCANTIL, ambas pessoas jurídicas em liquidação extrajudicial. ….
. . . Colimam pura e simplesmente o reconhecimento do direito de compensação entre débitos e créditos que ostentam. Absolutamente nada atenta contra a igualdade entre credores das rés, a ser garantida legal e judicialmente (aliás, como bem observou o representante do Ministério Público . . .
… Em que pese a distinção formal entre as requeridas ( i.e., com diversos números de C.G.C., sedes, contratos sociais) o fato é que o Banco BMD incorporou ações da sociedade co-ré -BMD LEASING S/A (vide documento de fls. 90). Portanto de maneira explícita não há como olvidar que ambas as co-rés faziam parte do mesmo grupo econômico – isso sem falar na direção do aludido grupo (pessoas jurídicas requeridas), que de modo interessante também apresenta correspondência. …
… Há manifesto direito dos requerentes – sim, inclusive do co-autor garante, na hipótese de ser cobrado pelo débito referente aos contratos de leasing – de verem compensados os valores de seus créditos junto ao banco requerido com débitos contraídos na co-ré (BMD LEASING S/A), integrante do mesmo grupo econômico. … Conclusão diversa além de tolerar violação ao ordenamento jurídico pátrio findaria por prestigiar expediente fraudulento e de ética duvidosa. …
… A compensação é justamente viável por tratarem-se de quantias líquidas, certas e reciprocamente exigíveis entre os demandantes.
… Ante o exposto julgo PROCEDENTE o pedido formulado na inicial o que faço para declarar que as requeridas, para fins de compensação (cujo direito ora fica reconhecido) entre créditos dos autores ( pessoa jurídica co-autora e requerente garante, este último desde que cobrado quanto a débito advindo dos contratos de leasing noticiados na inicial) junto ao banco réu e débitos dos demandantes na co-ré BMD Leasing S.A. – Arrendamento Mercantil, devem ser consideradas como uma só entidade, até os limites ajustados, entre créditos e débitos . Condeno as rés no pagamento de custas, despesas processuais corrigidas monetariamente do desembolso) e em verba honorária a qual arbitro, nos termos do artigo 20, parágrafo quarto do C.P.C. P.R.I.
São Paulo, 30 de junho de 1.999 |Luciana Simon de Paula Leite |Juíza de Direito.”
II
13ª VARA CÍVEL |PROC. AUTOS Nº 21193 / 98.
Autor – Hotéis Deville Ltda.
“Presentes os requisitos ensejadores da antecipação da tutela final, defiro o pleito. De se ver que os créditos/ débitos apontados apresentamse, em preliminar e não em exauriente análise,compensáveis.
. . . Ainda, observe-se que, ante a potencial compensação dos créditos, inexigíveis os contratos. Assim, defiro a antecipação da tutela final, para determinar ao requerido que se abstenha de qualquer medida restritiva de crédito contra os postulantes, bem como declarando inexigíveis os contratos mencionados na peça inaugural, até manifestação ulterior deste juízo. Cumpra-se com as diligências necessárias. Após, cite-se, com as advertências legais.”
Em 21 de 08 de 1998 | Sérgio Jorge Domingos |Juiz de Direito.
III
23ª VARA CÍVEL – FÓRUM CENTRAL |ROCESSO AUTOS Nº 0718/96
“ De sua vez, observa-se que na data da liquidação o crédito do autor era da ordem de R$ 24.033,11, ao passo que sua dívida era de R$ 23.180,32 ( fls. 18 e 20 ), razão pela qual existe crédito suficiente para suportar o débito.
Ante o exposto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTES os pedidos principal e cautelar, declaro compensados os créditos e débitos existentes entre as partes e, ser o autor credor da diferença no importe de R$ 832,79, que deverá ser incluído no rol dos credores quirografários .”
IV
Comarca de São Paulo-SP |Nona Vara Cível – Fórum Central |Proc. Autos nº 2521/ 97
“A reciprocidade e liquidez são patentes já que incontroversa a existência de créditos / débitos entre as partes face aos contratos que celebraram ( a fls. 39/43), os quais são líquidos (certos e determinados no que tange às existências e objetos).
De outro lado, a esta altura, já houve o vencimento dos contratos com o início da liquidação extrajudicial (art. 18, b, da Lei n. 6.024/74) e o momento da contraprestação a cargo da autora no contrato de câmbio de compra (24.111997).
A questão que demanda análise mais aprofundada é a referente à homogeneidade ou fungibilidade dos débitos, porquanto a prestação a cargo do réu é relativa à moeda nacional ao passo que a da outra parte refere-se à moeda estrangeira. Nada obstante a isso, tenho ser possível a compensação ante a indiferença perante o banco em receber o crédito numa ou noutra moeda, ainda mais ao se considerar a situação jurídica em que se encontra (liquidação extrajudicial), destarte é de se ter por preenchido o derradeiro pressuposto.
O artigo 46 da Lei de Falências c.c. o art. 34 da Lei n. 6.024/74 permitem a compensação na liquidação extrajudicial, assim, pelo princípio da especialidade na relação jurídico-material existente entre as partes não tem aplicação os arts. 1.024 e 1.015, inc. III, ambos do Código Civil, ou seja, face à sobredita disposição legal não é de se cogitar da existência de ofensa ao princípio da par condicio creditorum (prejuízo a terceiros e ou impenhorabilidade), mas sim de exceção legal, aliás, justa, pois trata com desigualdade desiguais na medida que nem todos os credores são devedores da massa.
Posto isso, julgo PROCEDENTE esta ação para determinar a compensação entre os créditos / débitos dos contratos de câmbio de compra e certificado de depósito bancário mencionados na exordial até onde se extinguirem as obrigações neles contidas. “
A rigor, o agravante nem precisava habilitar-se na concordata, agora convolada em falência, uma vez que a concorrência dos créditos se verifica em virtude de lei, consoante o art. 1009 de CC.; dá-se “em si mesmo”, equivalendo a compensação na falência ao que Miranda Valverde considera “um pagamento privilegiado ou separado” (Comentários à Lei de Falências, vol. I/353). Sendo lícito ao juiz, todavia, declare a compensação de ofício, por força do que estabelecem os arts.46 e 92 (ob. Cit., p. 357), nada obsta a que, por via de habilitação , se reconheça a compensação “.
MATTOS, RODEGUER NETO, VICTÓRIA SOCIEDADE DE ADVOGADOS
AFONSO RODEGUER NETO