Realização de promessa de venda e compra de veículos apreendidos, objeto de busca e apreensão, em face de alienação fiduciária pactuada em contrato de financiamento concedido pela PROMITENTE VENDEDORA, que somente se tornará venda definitiva quando da prolação da decisão judicial consolidatória da posse e domínio de cada veículo objeto do compromisso em questão.
Em primeiro plano, embora esteja claro que não se trata da realização de venda final dos bens ainda sem correspondente sentença judicial, entendemos ser relevante comentar alguns aspectos que envolveriam um negócio, no qual fosse realizada uma venda definitiva, sem a existência da respectiva sentence judicial.
O entendimento consagrado é de que a “a venda prevista no artigo 2º do Decreto Lei 911/69 só pode realizar-se depois de prolatada a sentença que consolida a propriedade e a posse plena e exclusiva dos bens dados em garantia nas mãos do autor do pacto da ação de busca e apreensão”, conforme magistério do jurista Dr. Paulo Restiffe Neto, em seu livro Garantia Fiduciária – Editora Revista dos Tribunais – 3ª ED.
Assim, a realização de venda definitiva (artigo 1122 Código Civil de 1916), sem a apreciação do caso pelo judiciário e sem a ciência do devedor alienante, é realizada por conta e risco do credor que, caso seja instado para tanto, deverá arcar com os ônus gerados pelo negócio realizado.
Dentre os ônus que podem resultar no caso da realização da venda definitiva sem sentença, destacamos a necessidade de restituição do bem e a eventual indenização ao devedor que comprovar prejuízos, além da possibilidade de macular o possível crédito remanescente, prejudicando-lhe a característica de liquidez e, por conseqüência, a qualidade de título executivo, tornando-se necessário a propositura de uma ação de conhecimento para recuperação desse residual do saldo devedor.
Em síntese, a realização de venda definitiva implica necessariamente disposição do credor em assumir os riscos e encargos que podem ser gerados por tal negócio. Sem embargos ao exposto, entendemos que o contrato dessa natureza, por tratar de celebração de uma promessa de venda e compra, cujos elementos são diferenciados de venda definitiva, é sustentável juridicamente, possibilitando a realização das justificações e defesas na hipótese de eventuais questionamentos.
Concluindo, embora a celebração de promessa de venda e compra de bens apreendidos, pela sua inovação e características seja passível de algum questionamento, entendemos que não fere os princípios legais em vigor, podendo, portanto, ser admitida no mundo negocial e jurídico.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES QUANTO À ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA
Como é cediço, a alienação fiduciária em garantia é um contrato acessório e formal, cuja finalidade é garantir o cumprimento do contrato principal, como o financiamento de bens móveis, o mútuo e outros. O bem objeto do contrato principal, quando se trata de financiamento, é dado em alienação fiduciária ao credor fiduciário, o qual se torna proprietário e possuidor indireto, ficando o devedor fiduciante com a posse direta, como depositário e usuário. A transferência de propriedade é apenas em garantia, como exposto, tornando-se sem efeito, automaticamente, quando do pagamento da última parcela do preço.
O contrato de alienação fiduciária, atendidos os requisitos da lei civil pátria, dentre os quais destacamos agente capaz, forma prescrita ou não defesa em lei, e objeto lícito, produz, evidentemente, desde logo, os devidos e legais efeitos entre as partes. Porém, para que esses efeitos tenham eficácia perante terceiros é necessário que se promova o registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos dos domicílios do devedor fiduciante e do credor fiduciário .
Recomenda-se, ainda, no caso de veículos automotores que a alienação fiduciária seja anotada também no Certificado de Registro do Veículo.
Não se pode olvidar, também, que o credor não pode vender o bem por preço vil, sob pena de se aracterizar abuso de direito, além do que, com o advento do Código do Consumidor, nossos Tribunais não têm acolhido a exigência do pagamento de, no mínimo, 40% do total do débito como requisito para purgação da mora, como segue :
Consigna-se, ainda, o entendimento da necessidade de dar ciência ao devedor do valor pelo qual o bem esteja sendo negociado, a fim de que não se alegue, posteriormente, qualquer discordância .
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – Purgação da mora – Exigência do prévio pagamento de 40% do preço – Inadmissibilidade – Restrição que implica no perdimento das prestações já pagas que só eventualmente são ressarcidas após apreensão e venda extrajudicial do bem financiado e fiduciariamente garantido – Inteligência do art. 53 da Lei 8.078/90. Tribunal: 2.TACivSP (Relator: Soares Levada).
Ementa da Redação: Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente pela proteção dispensada ao consumidor pela redação de seu art. 53, não pode o Dec.-lei 911/69 restringir a possibilidade de purgação da mora pelo devedor fiduciante ao exigir o prévio pagamento de 40% do preço, pois essa restrição implica no perdimento das prestações até então pagas, que só – eventualmente – serão ressarcidas após apreensão e venda extrajudicial do bem financiado e fiduciariamente garantido. AgIn 688.843-00/1 – 10.ª Câm. – j. 25.04.2001 – rel. Juiz Soares Levada. ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Juízes desta Turma Julgadora do 2.º TACivSP, de conformidade com o relatório e o voto do relator, que ficam fazendo parte integrante deste julgado, nesta data, negaram provimento ao recurso, por v.u. Turma Julgadora da 10.ª Câm.: Juiz-relator: Soares Levada; 2.º Juiz: Marcos Martins; 3.º Juiz: Gomes Varjão; Juiz-presidente: Marcos Martins. Data do julgamento: 25 de abril de 2001 – SOARES LEVADA, relator, com a seguinte declaração de voto: 1. Agravo de instrumento tirado da r. decisão que reconheceu a possibilidade de purgação da mora contratual, em ação de busca e apreensão de veículo garantido por cláusula de alienação fiduciária, ainda que não tenha o devedor fiduciante quitado mais de 40% do débito. A agravante sustenta a necessidade do pagamento do percentual mínimo previsto em lei para possibilitar ao devedor a purgação da mora, defendendo ainda a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos garantidos por alienação fiduciária. Negou-se o efeito suspensivo pleiteado. A agravada deixou de oferecer resposta nos autos. É o relatório. Fundamento e decido. Nega-se provimento ao recurso. De acordo com o art. 3.°, § 2.º, do CDC, as atividades de natureza bancária estão abrangidas naquela lei, tratando-se de uma relação de consumo – desde que remunerado o serviço prestado, o que é o caso, logicamente, de um contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária, devidamente remunerado pelos juros acordados. Já o art. 53 do CDC dispõe que são “nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”. Ora, por aí já se vê que não pode o Dec.-lei 911/69 restringir a possibilidade de purgação da mora pelo devedor fiduciante, pois essa restrição implica no perdimento das prestações até então pagas, a serem eventualmente – e só eventualmente – ressarcidas após apreensão e venda extrajudicial do bem financiado e fiduciariamente garantido (o bem pode não ser vendido; pode deteriorar-se grandemente, o que não raro acontece; pode perecer, o que por vezes também ocorre).
Daí a correção do julgado citado por Theotonio Negrão em JTA 147/30 (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 28. ed., p. 748), no sentido de que “A exigência do prévio pagamento de 40% do preço está implicitamente revogada pelo art. 6.°, VI, e art. 53 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor)”. Tal entendimento insere-se bem, e é reforçado na lição doutrinária de Nelson Nery Jr. (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 4. ed., Forense Universitária, 1994), no sentido de que “Em atendimento ao princípio da conservação do contrato, a interpretação das estipulações negociais, o exame das cláusulas apontadas como abusivas e a análise da presunção de vantagem exagerada devem ser feitas de modo a imprimir utilidade e operatividade ao negócio jurídico de consumo, não devendo ser empregada solução que tenha por escopo negar efetividade à convenção negocial de consumo”.
Ademais, o entendimento de desnecessidade de pagamento do percentual de 40%, mínimo, para purga da mora vem se pacificando neste E. 2.° TACivSP: “Nos termos do art. 53 do CDC, e considerando-se o princípio da conservação dos contratos vigente nas relações negociais de consumo, encontra-se implicitamente revogada a exigência de prévio pagamento de 40% do preço financiado para purgação da mora em contrato garantido por alienação fiduciária, pois tal exigência restringe indevidamente a continuidade da relação negocial, além de implicar no eventual perdimento das prestações pagas pelo devedor fiduciante”.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.
QUANTO AOS LANÇAMENTOS CONTÁBEIS
1. Em se tratando de instituição financeira, cabe registrar os procedimentos contábeis previstos no COSIF, estabelecidos por ocasião de retomada de bem objeto de financiamento.
1.1 O registro contábil dos bens vinculados a operações com garantia, pela modalidade de alienação fiduciária, objetos de apreensões por meio de medidas judiciais em Ações de Busca e Apreensão, devem ser contabilizados em contas de compensação, pelo valor da avaliação, a saber:
Débito: Bens em Garantia Apreendidos
Crédito Garantia por Bens Apreendidos
1.2 No momento da venda dos referidos bens, quando a Instituição Financeira já obteve decisão judicial para dispor livremente dos bens apreendidos, deve-se proceder a baixa na rubrica contábil que registra o valor do débito do financiado (Operações de Crédito), pelo valor líquido da venda, deduzidas as despesas pertinentes. A contrapartida é procedida na adequada conta que registra o ingresso das disponibilidades (Caixa / Bancos c/ Movimento) ou, se a venda for a prazo, o registro do direito a receber na rubrica Devedores por Compra de Valores e Bens. Na hipótese do produto da venda ser superior ao saldo devedor do financiado, deverá ser constituída uma obrigação no Passivo Circulante, pelo montante do valor a ser devolvido.
1.3 Considerando-se que a venda em tela está sendo realizada sem que a Instituição tenha conjuntamente a posse e o domínio efetivo do bem, podendo não se concretizar no futuro, o COSIF não possui previsão legal para este tipo de evento mas, diante da necessidade legal do registro contábil da operação originada do “Instrumento Particular de compromisso de compra e venda”, seguem duas sugestões:
a) pode-se, tendo em conta as características da operação, adotar o procedimento contábil indicado no item 1.2, acima, lembrando que, se a venda está sendo realizada de forma “condicional”, a baixa do saldo devedor do financiado também poderá não ser definitiva.
b) outra sugestão, é que se proceda a contabilização da venda dos bens em uma rubrica contábil de uso interno, retificadora da conta que registra os financiamentos (Operações de Crédito), utilizando-se como contrapartida, o mesmo procedimento indicado no item 1.2, acima, ou seja, efetua-se o registro contábil do ingresso das disponibilidades (Caixa / Bancos c/ Movimento) ou, se a venda foi a prazo, o registro do direito a receber na rubrica Devedores por Compra de Valores e Bens.
2. Nas duas hipóteses apresentadas sugere-se, também, manter a contabilização do referido contrato em contas de compensação, para acompanhamento das transferências dos bens e, ainda, para registro de uma possível obrigação futura, pois a cláusula 4.4 do referido instrumento prevê que, na hipótese de não se obter a Sentença que consolide a posse e o domínio dos bens, objeto da venda e compra, no prazo de 24 meses (sugerido 36 meses), contados da aquisição do bem, a Vendedora terá que devolver os recursos recebidos, acrescidos dos encargos pactuados.
C O N C L U S Ã O
Não obstantes as ponderações apresentadas, como já salientado, é importante consignar que o procedimento contábil alternativo sugerido não está previsto nas normas do Cosif , estando sujeito, portanto, a eventuais questionamentos. Todavia, defensáveis.
São Paulo, Novembro de 2012.
MATTOS, RODEGUER NETO, VICTÓRIA SOCIEDADE DE ADVOGADOS
AFONSO RODEGUER NETO