TRIBUTAÇÃO NAS FALÊNCIAS E NAS LIQUIDAÇÕES EXTRAJUDICIAIS
Por Afonso Rodeguer Neto
I – DO ARTIGO 60 DA LEI 9.430/96; ARTIGOS 121 e 188 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL; ARTIGO 241 DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DA RFB Nº 1700/17 E DO REGULAMENTO DO IMPOSTO DE RENDA, DECRETO 3.000/99.
Tem sido defendido que o artigo 60 da Lei nº 9.430/96 não se conforma com a definição de sujeito passivo da obrigação tributária contida no artigo 121 do Código Tributário Nacional, pelo qual “Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. ”
Sabe-se que a Massa Falida não é considerada pessoa jurídica. Portanto, não se enquadraria no conceito do Art. 121 do CTN. Diante disso, as massas falidas não estariam sujeitas à tributação.
Contudo, o art. 60 da Lei 9.430/96 determinou que “as entidades submetidas aos regimes de liquidação extrajudicial e de falência sujeitam-se às normas de incidência dos impostos e contribuições de competência da União aplicáveis às pessoas jurídicas, em relação às operações praticadas durante o período em que perdurarem os procedimentos para a realização de seu ativo e o pagamento do passivo”.
A Lei 9.430/96, art. 60, teria, assim, equiparado as massas falidas (lei 11.101/05) e as sociedades em liquidação extrajudicial (lei 6.024/74 e demais legislação aplicável) às pessoas jurídicas. Com isso, estaria eliminado o alegado óbice do art. 121 do CTN, pelo qual somente “pessoas” estariam sujeitas à tributação?
O Código Civil é lei ordinária geral e determina quais são as pessoas jurídicas (artigos 40/45). A Lei 9.430/96 é lei ordinária especial e, no seu artigo 60, equipara a massa falida e a sociedade em liquidação extrajudicial (lei 6.024/74) à pessoa jurídica.
É cediço que as leis especiais prevalecem sobre as gerais. Se assim for, estaria, então, superada a alegada contradição entre o Código Civil e a Lei 9.430/96. O primeiro estabelece quem são as pessoas jurídicas e a segunda estaria a equiparar a massa falida e a sociedade em liquidação extrajudicial à pessoa jurídica.
Por sua vez, o art. 188 do CTN (lei complementar) estabelece que:
” Art. 188. São extraconcursais os créditos tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso do processo de falência. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)”
O Código Tributário Nacional determina, assim, mesmo que de forma geral, que há fatos geradores no curso do processo falimentar. Aliás, isso é incontroverso, até porque há IPTU a pagar, imposto de renda na fonte, contribuições sociais e outros tributos que são extraconcursais.
Não obstante, argumenta-se que há inconstitucionalidade no referido artigo 60 da Lei 9.430/96, mas não há iniciativa judicial a esse respeito.
Os pareceres normativos CST – Coordenadoria do Sistema de Tributação, a respeito do assunto, são anteriores à Lei 9.430/96. Verifica-se que o fundamento básico desses antigos pareceres normativos da Coordenadoria do Sistema de Tributação era o fato de as massas falidas não serem pessoas jurídicas e que não há (não havia) equiparação legal das massas falidas às pessoas jurídicas. Porém, com o advento do artigo 60 da Lei 9430/96, teria ocorrido a equiparação da massa falida às pessoas jurídicas, como também previsto no artigo 145 da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil, nº 1515/14, alterada pela IN RFB 1.700 de 14 de março de 2017, artigo 245, in verbis:
Art. 245. As entidades submetidas aos regimes de liquidação extrajudicial e de falência sujeitam-se às normas de incidência dos impostos e contribuições de competência da União aplicáveis às pessoas jurídicas, em relação às operações praticadas durante o período em que perdurarem os procedimentos para a realização de seu ativo e o pagamento do passivo.
1º Decretada a liquidação extrajudicial ou a falência, a pessoa jurídica continuará a cumprir suas obrigações principais e acessórias nos mesmos prazos previstos para as demais pessoas jurídicas, inclusive quanto à entrega da ECF (escrituração contábil e fiscal).
2º Na hipótese prevista no § 1º, cabe ao liquidante ou síndico proceder à atualização cadastral da entidade, sem a obrigatoriedade de antecipar a entrega da ECF (escrituração contábil e fiscal).
Os referidos pareceres normativos da Coordenadoria do Sistema de Tributação, oriundos que são dos entes tributantes, atualmente não teriam a mesma posição, em face do advento da Lei 9.430/96, especificamente em seu artigo 60, até porque a posição da Receita Federal, como acima exposto, atualmente é clara no sentido de exigir o cumprimento das obrigações acessórias e o recolhimento dos tributos, quando devidos.
Segue, ainda, Regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 3.000/99.
Art. 146. São contribuintes do imposto e terão seus lucros apurados de acordo com este Decreto (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 27):
– as pessoas jurídicas (Capítulo I);
– as empresas individuais (Capítulo II).
1º As disposições deste artigo aplicam-se a todas as firmas e sociedades, registradas ou não (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 27, § 2º).
- 2º As entidades submetidas aos regimes de liquidação extrajudicial e de falência sujeitam-se às normas de incidência do imposto aplicáveis às pessoas jurídicas, em relação às operações praticadas durante o período em que perdurarem os procedimentos para a realização de seu ativo e o pagamento do passivo (Lei nº 9.430, de 1996, art. 60).
Acrescente-se a Lei 12.973/14, art. 109, como mais um recente exemplo da real exigência de tributos pela União Federal em face das massas falidas e das sociedades em liquidação extrajudicial:
Art. 109. As pessoas jurídicas que se encontrem inativas desde o ano-calendário de 2009 ou que estejam em regime de liquidação ordinária, judicial ou extrajudicial, ou em regime de falência, poderão apurar o Imposto de Renda e a CSLL relativos ao ganho de capital resultante da alienação de bens ou direitos, ou qualquer ato que enseje a realização de ganho de capital, sem a aplicação dos limites previstos nos arts. 15 e 16 da Lei n°. 9.065, de 20 de junho de 1995, desde que o produto da venda seja utilizado para pagar débitos de qualquer natureza com a União.
II– JURISPRUDÊNCIA
i) Tribunal de Justiça – Terceira Câmara Apelação Cível nº 37322/2005
5ª Vara Empresarial da Comarca da Capital – RJ Apelante- Ministério Público
Apelada – Massa Falida de Block Editores S.A Relator – Luiz Felipe Haddad
Ementa:
“Comercial. Tributário. Processual Civil. Prestação de contas de massa falida . . . Desobediência ao Decreto-Lei 7661/45, art. 63, XXI, e também ao artigo 60 da Lei 9.430/96. Corroboração de ditas normas pelo Decreto 3000/1999, correlato com o Código Tributário Nacional “ . . .
Consta ainda do referido acórdão : . . .
. . . “ Determina, por seu turno, o artigo 60 da Lei 9430/96 que as entidades submetidas aos regimes de falência ou de liquidação extrajudicial se sujeitem às normas da competência da União, aplicáveis às pessoas jurídicas em relação às operações praticadas durante o período do procedimento pertinente, com vistas à realização do ativo e ao pagamento do passivo. Dizem no mesmo escopo o Decreto 3000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda), art. 620)” …
O caso acima não se refere a imposto de renda da pessoa jurídica propriamente dito, mas manifesta o entendimento do Tribunal em relação à aplicação do artigo 60 da Lei 9.430/96.
II) AGRAVO Nº 0127138-67.2011.8.26.0000
Comarca – São Paulo
Agte. Plena S/A Corretora de Valores Mobiliários (massa falida) Agdo. O Juízo
Voto nº 21636
Relator – Rui Cascaldi
Neste caso, temos um entendimento contrário. Contudo, o v. acórdão não enfrentou o disposto no art. 60 da Lei 9.430/96. Caberia, no mínimo, embargos de declaração por parte do representante do ente tributante. Na sequência, caberia recurso especial, como é cediço, para que a exigência da Receita Federal fosse efetivamente resolvida, considerando que o faz com fundamento no dispositivo legal acima. E essa providência poderá vir a ser adotada em outras situações.
Ementa:
“Falência – Decisão que determinou a suspensão de levantamento de numerário no bojo do processo falimentar, em razão de intimação da Receita Federal, apontando débito tributário da massa falida relativo a imposto de renda. –Massa falida não se confunde com a pessoa jurídica falida, tratando-se de ente despersonalizado, que não se considera sujeito passivo da obrigação tributária principal – Inteligência do art. 121 do CTN”
…
No caso acima, o Tribunal entendeu que não se há de falar em fato gerador de tributo na massa falida. Porém, verifica-se nesse julgado que não há menção ao artigo 60 da Lei 9.430/96. Verifica-se, ainda, que o referido julgado está fundamentado nos pareceres da Receita Federal que são anteriores à lei 9.430/96. Portanto, esse julgado estaria equivocado nesse sentido ou, no mínimo, houve negativa de vigência ao artigo 60 da Lei 9.430/96 o qual, justamente, determinou que as massas falidas e empresas em liquidação extrajudicial submetam-se às regras das demais pessoas jurídicas. E se as massas falidas estão equiparadas às pessoas jurídicas, nos termos do artigo 60 da Lei 9.430/96, o artigo 121 do CTN, como exposto, não obsta a tributação dos fatos geradores ocorridos nas massas falidas. Por outro lado, a Justiça Estadual, mesmo o juízo universal da falência, foram declarados incompetentes para decidir sobre tributos federais. A competência é da Justiça Federal.
III – DA DEFESA DE INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR DE IMPOSTO DE RENDA NAS MASSAS FALIDAS, DISPONIBILIDADE ECONÔMICA OU JURÍDICA (ART. 43 DO CTN) E DA RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
Doutrinadores argumentam que não há disponibilidade econômica ou jurídica na massa falida (art. 43 do Código Tributário Nacional). Que não há como ocorrer o fato gerador de imposto de renda nas massas falidas que não teriam aumento do patrimônio e tampouco disponibilidade dos seus recursos, vistos que estes somente podem ser distribuídos ou utilizados na forma da lei de falências e com ordem do respectivo juízo. E esses argumentos são respeitáveis. Acredita-se que fazem parte do discernimento mais lógico da questão.
Todavia, a situação não é pacífica e não está solucionada, principalmente no entendimento da Receita Federal, como acima exposto.
E se a questão não é pacífica, temos o seguinte:
Poderá, eventualmente, ocorrer a responsabilidade pessoal do administrador como previsto no Artigo 135 do CTN, pelos aspectos que seguem.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: (grifamos).
- – as pessoas referidas no artigo anterior;
- – os mandatários, prepostos e empregados;
- – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
O administrador ou o liquidante, quando se tratar de liquidação extrajudicial, será responsável apenas pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei (Art. 135 CTN).
Mas acrescente-se, ainda, o Art. 134, inc. V, do CTN, que menciona expressamente a pessoa do síndico como responsável.
“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis”:
I – …
V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
Aí vem a questão. O Administrador deixa de aplicar o artigo 60 da lei 9.430/96. Deixa de aplicar, também, o Art. 124 da anterior “lei” falimentar, Decreto 7661/45, quando se trata de falência regida ainda pela lei revogada, o qual estabelece que os tributos gerados após a falência são encargos da massa, não se submetendo, portanto, a concurso de credores. Isso também consta do Art. 84 da nova lei. Deixa de aplicar o Art. 188 do CTN (lei complementar).
Nesse caso, eventualmente, poderá ocorrer o entendimento de que o administrador cometeu atos com infração à lei. E, caso a massa não tenha recursos para pagar o tributo extraconcursal posteriormente, por tê-los destinado a outros pagamentos, existe o risco de o administrador judicial ou síndico vir a responder com seus bens particulares, em face de ter praticado ato contra a lei, se assim for entendido, nos termos do artigo 135 do CTN, acima transcrito e também do artigo 134 acima mencionado.
Reportando-nos ao Código Tributário Nacional, comentado e anotado/coordenado por Volney Zamenhof de Oliveira Silva; 3ª ed., p. 392/393, comentários ao art. 134 do CTN, no qual menciona o Curso de Direito Tributário de Hugo de Brito Machado, 17ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, p.121, e outros doutrinadores, há dois requisitos básicos para que seja reconhecida essa modalidade de responsabilidade:
“a) que o cumprimento da obrigação não possa ser exigido do contribuinte; b)que os terceiros ( responsáveis ) tenham intervindo nos atos que deram ensejo à obrigação ou indevidamente se omitiram”.
É o caso. Omissão do administrador judicial se não cumprir os dispositivos legais.
IV – DO ARTIGO 76 DA LEI 11.101/05 E DO ARTIGO 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
O artigo 76 da Lei 11.101/06 estabelece a indivisibilidade e competência do juízo falimentar “para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais…” Assim, não poderia o juízo falimentar decidir sobre questões que envolvem tributos federais, nos termos do
artigo 76, acima referido e em face do quanto determina o artigo 109, I, da CF1 , como tem sido das decisões mais recentes – 2018.
V – DA INADIMPLÊNCIA
Caso não haja recursos para o recolhimento dos tributos no momento próprio, o inadimplemento não gerará responsabilidade alguma ao administrador. A inadimplência, por si, não gera essa responsabilidade, como já definido pela doutrina e jurisprudência. Todavia, se houver pagamento de credores com recursos que seriam para pagamento de tributos extraconcursais ou concursais fora da ordem legal dos artigos 83 e 84 da Lei 11.101/05, isso poderá gerar responsabilidade ao administrador.
VI – CONCLUSÃO
Pelo exposto, parece ser mais seguro e indicado ao administrador judicial ou síndico, e nas liquidações extrajudiciais, ao liquidante, proceder com os lançamentos e com as providências adequadas quanto à escrituração contábil e recolhimento de tributos cujos fatos geradores ocorrerem no período de tramitação do processo falimentar ou liquidatário, até que essas controvérsias sejam resolvidas.
Por outro lado, caso a decisão seja a de não acatar as determinações do artigo 60 da Lei 9.430/96 e demais legislação pertinente, além das exigências da Receita Federal do Brasil, o indicado seria, então, tomar uma atitude legalmente aplicável e não simplesmente se omitir. Há determinadas ações administrativas e judiciais que podem ser realizadas, como seguem:
propositura de Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica Tributária entre a Massa Falida e a União Federal para, efetivamente, declarar a inexigência dos tributos da Massa Falida, com eventual possibilidade de depósito em juízo para suspender o crédito tributário, se for o caso;
não tomar nenhuma das atitudes anteriores e, se o fisco autuar, promover a defesa administrativa competente ou, sem defesa administrativa, ou depois dela, ação judicial anulatória de débito fiscal. Nessa última hipótese o administrador judicial continua sob o risco pessoal, pois poderá ser entendido que houve omissão e, no momento seguinte, poderá não existir mais recursos na massa para pagamento dos tributos, restando clara a responsabilidade do administrador, caso a tese de inexistência de fato gerador ou obrigatoriedade de recolhimento de tributos nas falências e liquidações extrajudiciais não prospere.
Afonso Rodeguer Neto
OAB /SP 60.583